quinta-feira, 13 de março de 2014

PRÍNCIPE DE ASTURIAS 1914-1916

Transatlântico Príncipe de Asturias
É madrugada do dia 06 de março de 1916 carnaval a noite estava chuvosa e com mar agitado ao largo da costa paulista. O capitão José Lotina, preocupado com as ondas e com a baixa visibilidade à sua frente, sequer ouvia as marchinhas que tocavam no salão da primeira classe, onde acontecia um baile carnavalesco. Os passageiros da segunda classe também tentavam ignorar a música, muito mais preocupados em conseguir dormir com o enjoo provocado pelo desconfortável balanço das ondas naqueles dormitórios abafados.
Por um pequeno instante um relâmpago iluminou o mar à frente da cabine de comando, revelando quão próxima a embarcação estava dos rochedos.
Temida Ponta de Pirabura. O túmulo de mais de 14 naufrágios
Imediatamente o comandante gritou: "É terra!", e jogando-se sobre o telégrafo de máquinas gritou: "Máquinas, toda força à ré!". Porém, não havia tempo para o cumprimento das ordens, e o choque era inevitável. O navio bateu violentamente em uma laje submersa e abriu uma imensa fenda no casco. Assim que a fria água do mar chocou-se contra duas das caldeiras da sala de máquinas houve uma grande explosão, que lançou ao mar homens, mulheres e crianças que estavam no salão de baile, provocando em minutos o naufrágio da embarcação.
Capitão Jose Lotina o segundo da esquerda para direita
na primeira fileira
É assim que começa a trágica história da sexta viagem do Transatlântico espanhol Príncipe de Astúrias, que afundou na costa de Ilhabela matando 445 passageiros entre os 578 registrados, depois de bater nas pedras da Ponta de Pirabura. Ilhabela é conhecida como "Cemitério de Navios", pois guarda em suas areias os restos de dezenas de naufrágios.

Ilustração do naufrágio do Príncipe de Asturias
Construído nos estaleiros da Russel & Co na cidade escocesa de Glasgow em 1908, e lançado ao mar em 1914, o Príncipe de Astúrias era um dos principais navios que faziam a rota transatlântica entre Barcelona e Buenos Aires,
fazendo escalas em Cádiz, Ilhas Canárias, Rio de Janeiro, Santos e Montevidéo, com duração de 30 dias. Com mais de 140 metros de comprimento, tinha instalações luxuosas para os passageiros de primeira classe, mas podia levar 1.300 passageiros, se fossem incluídos os alojamentos disponíveis nos porões do navio.


Naquela trágica viagem, dezenas de abastadas famílias europeias fugiam para a América do Sul, buscando a tranquilidade que era impossível na Europa no auge da Primeira Guerra Mundial.
A Europa na Primeira Guerra Mundial
Por conta desta característica, muitos historiadores e pesquisadores apontam que o Príncipe de Astúrias carregava fortunas em seu interior, como  pedras preciosas, dinheiro e centenas de barras de ouro soldadas em sua estrutura, que estariam até hoje escondidas nas profundas águas da Ponta de Pirabura. As expedições oficiais conseguiram resgatar apenas louças, talheres, porcelanas e utensílios, mas nunca saberemos se alguma das dezenas de "expedições piratas" realizadas nos últimos 50 anos encontraram algo mais interessante.
Em 1956 foi realizada uma grande expedição, que construiu uma base de operações na Ponta de Pirabura. Mal planejada, usou explosivos para tentar recuperar o conteúdo dos porões A operação estragou o navio e não cumpriu seus objetivos

Base de operações em 1956 em uma grande expedição
Em 1990, outra expedição conseguiu resgatar duas das Estátuas de Bronze que seriam utilizadas na construção do Monumento "La Carta Magna y las Cuatro Regiones Argentinas", que estava sendo construído em Buenos Aires, e faziam parte da carga que afundou em Ilhabela. Uma delas está hoje em frente ao Serviço de Documentação Geral da Marinha (SDGM), na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro.










Ao lado Estátua recuperada do Príncipe de Astúrias que seria usada em Monumento Argentino
Hoje está exposta na Ilha das Cobras - RJ












Ao lado direito, Monumento "La Carta Magna y las Cuatro Regiones Argentinas"
O Príncipe de Astúrias levava as estátuas que seriam usadas em sua construção
Foi inaugurado apenas em 1927, depois de inúmeros contratempos
Os argentinos o consideram "amaldiçoado"







Outra lenda conta que não eram somente 578 os passageiros daquela viagem, e sim uma carga extra de  mais de 1.200 pessoas que fugiam da guerra na Europa, espremidas nos porões do navio. Se isto for verdade, o Príncipe de Astúrias seria não o segundo maior naufrágio da América, mas o primeiro, superando o Titanic. Sobreviventes do naufrágio deram declarações lamentando a morte das centenas de "clandestinos" que haviam embarcado na cidade espanhola de Cádiz.



Porém, as lendas e histórias contadas pelos sobreviventes e caiçaras  são ainda mais assustadoras.

.Foto histórica de alguns dos sobreviventes, já em Santos-SP
Resgatados pelo navio inglês VEGA

Depois da tragédia, os corpos de centenas de passageiros começaram a chegar às praias, principalmente na Baia de Castelhanos em Ilhabela e na Praia Grande de Ubatuba, esta última situada a mais de 40 km de distância da Ponta de Pirabura, levados pelas fortes correntes marítimas.
Na manhã após a tragédia, a bela Baia de Castelhanos estava repleta de cadáveres
Alguns dos caiçaras que habitavam a região, ao perceberem que muitos dos cadáveres apresentavam traços inconfundíveis de riqueza, começaram a saquear os corpos, retirando roupas, jóias, carteiras com dinheiro, relógios e qualquer outro acessório que pudesse ter algum valor. 



Os cadáveres eram pilhados de todos os objetos de valor
Até os dedos eram cortados para facilitar a retirada dos anéis
(ilustração de Alexx Doeppre para documentário sobre o tema)

Os dedos inchados pela água do mar eram cortados, pois assim ficava mais fácil a retirada das jóias, e depois os restos mortais eram enterrados em covas rasas na própria praia, ou então queimados em sinistras fogueiras. 





Os cadáveres pilhados eram queimados em sinistras fogueiras
(ilustração de Alexx Doeppre para documentário sobre o tema)

Alguns dos cadáveres que foram enterrados foram mais tarde desenterrados para uma última confirmação de que não havia sobrado nenhum artigo de valor.

Quanto ao Capitão José Lotina e Primeiro Oficial Imediato Antônio Salazar, ao constatarem o inevitável naufrágio, decidiram dar cabo a suas vidas com um tiro na cabeça. Seus corpos nunca foram encontrados. 

Jornal de 1916




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